O Caminho de Santiago até o fim de mundo

Reportagem sobre o Caminho desde Santiago a Fisterra.

Uma viagem pelas terras mais ocidentais da Europa descobre-nos um percurso cheio de beleza

Praça do Obradoiro, aos pês da Catedral de Santiago

São muitos os viajantes que, chegados a Santiago de Compostela, desejam seguir o seu percurso até o fim do mundo, a Finisterra, na Costa da Morte. A região esta situada nos limites da Europa e é considerada como uma terra mágica que a cada dia se projeta transformandose em um pungente polo turístico. As pessoas que visitam a região sentemse maravilhadas pela beleza das paisagens costeiras, pela riqueza do patrimônio histórico e a sua excelente gastronomia. A idéia da peregrinação pelas terras mais ocidentais da Europa estava presente nas crenças dos povos Celtas, que situavam o Além em uma ilha do ocidente.

Quando no século IX, se descobriu o sepulcro do Apóstolo Santiago, a Igreja deu um sentido cristão a estas velhas idéias de peregrinação e Compostela converteu-se em um grande foco de atração. Finisterra ficou integrada de forma sólida ao circuito europeu das peregrinações no meio do século X. Foi nessa época quando começou a chegar os primeiros peregrinos cristãos, chegada da qual temos conhecimento através de um documento de doação ao Mosteiro de São Xian de Moraímo efetuado pelo rei Afonso VII, no qual constava alusão a passagem dos peregrinos por aquelas terras. Nos séculos posteriores existem testemunhos de peregrinos que se acercaram da Finisterra Galega. Já lhe passaram, pois, por cima, mais de mil anos de peregrinações. A Rota Jacobea de Finisterra, compreende um percurso de aproximadamente 100 quilômetros, divididos em três etapas.

A primeira etapa vai desde Compostela a Negreira. Começa na porta principal da Catedral, atravessa a praça do Obradoiro, e segue pelas ruas da cidade até o carvalhal de San Lourenzo. A viagem não é longa e o viajante pode atravessar devagar a ponte velha de Sarela de Abaixo e voltar os olhos a preciosa panorâmica das torres da Catedral, que fica atrás.

As torres da catedral vistas desde Sarela de Abaixo

O viajante deve deixar-se levar pela inspiração da tradição que emanam as pequenas aldeias de Moas de Abaixo, Carballal, Quintáns, Ventosa, Lombao e Augapesada. Neste lugar, enquanto atravessa a bonita ponte medieval, deve preparar-se para subir por uma costa que o levará a um alto con um sugestivo nome: o Mar das Ovelhas. Desde aqui pode desfrutar de uma atrativa vista sobre o formoso vale de Amaía.

Na baixada, em direção ao rio Tambre, passará por Trasmonte, onde pode contemplar a igreja barroca de Santa María. Na formosa e bem conservada aldeia de Ponte Maceira destaca a impressionante ponte de cinco arcos que atravessa o rio. Uma pequena queda d’água embeleza ainda mais a paragem.

Ponte Maceira

De Ponte Maceira percorre-se uma vereda florestada que bordeja o Tambre e, ao seguirmos por Chancela de Abaixo visitamos a citânia celta de Logrosa. Na baixada a Negreira, passamos pela frente do importante pazo de Chancela, de memória senhorial antes de passarmos pela frente de um monumento ao peregrino, onde terminamos esta primeira etapa. En Negreira é obrigado visitar a construção inesperada do Pazo de Cotón, o invulgar equilíbrio que sustenta a sua galeria de pedras e que preside a praça que o acolhe.

As arcadas do edificio medieval do Pazo do Cotón

No segundo dia o viajante irá de Negreira até Olveiroa. É um percurso longo, mas de uma grande beleza, principalmente pelas florestas de carvalhos e castanheiros que saúdam o viajante por todo lado. Saindo de Negreira, cruzamos o rio Barcala e admiramos a formosura do seu vale: beleza para os olhos é que não faltará enquanto este rio correr. O caminho vai subindo pela parte direita do rio e passa por aldeias de nomes encantadores se é que o viajante gosta de nomes: Camiño Real, A Pena, Portocamiño, Cornovo… Ao chegar a Vilaserío toma o traçado do antigo Camiño Real, e, dali seguirá até Maroñas.Aqui pode descansar o viajante e visitar a igreja românica de Santa Mariña: um desses templos modestos do século XII que ficam agarrados ao instinto da pedra. Seguirá depois até Bom Xesús, Gueima e Vilar de Castro, passeando sob as altas árvores, pisando os musgos húmidos e ouvindo correr a agua entre as pedras.

O passeio oferece umas soberbas vistas sobre os vales que se prolongam pela fértil Terra do Xallas. Depois da ponte do século XVI que traspassa o rio Xallas, já estamos em Olveiroa, um lugar pequeno que é uma festa para os olhos de quem procura a tradição: por toda parte erguem-se cruzes de pedra, hórreos, ruelas diminutas a sombra das árvores… Mas também deve deixar um tempo o viajante para a contemplação da igreja, de um equilíbrio neoclássico que, em todo caso, não apagou o sabor da terra.

A terceira etapa é longa e vai das terras de monte e mato as do mar, objetivo último da nossa peregrinação. Seguiremos ainda um bocado o curso do Xallas, desfrutando das espantosas vistas do vale e do embalse de Castrelo, até chegar a Hospital. O nome deste lugar procede do hospital de peregrinos fundado aqui no século XII e lembra-nos que os nossos passos ecoam uma longa passagem pela História. É possível imaginar os peregrinos que, ao longo dos séculos, deixaram sua pequena pegada de cultura por estes sendeiros. Entramos depois nos solitários montes de Buxantes. Como sinal de encruzilhada se conserva um famoso cruzeiro que saudavam os que se dirigiam ao santuário da Virgem da Barca.

Santuario da Virxe da Barca (Muxia)

O viajante deve deter-se na Ermida de Nosa Señora das Neves: numa atmosfera quieta e ausente, a sua altura oferece a primeira vista do Oceano Atlântico. Deve visitar, mais adiante, a capela de San Pedro Martir, rodeada de restos arqueológicos que falam de um passado pelo que passaram múltiplas civilizações. No cruzeiro de Armada, os olhos abrem-se a paisagem marítima da Costa da Morte: é um momento solene, não pode o viajante esquecer que é aqui onde “morre” o sol. Devese manter um respeito. Cee é um dos povoados mais antigos da Galícia. Deve ser visitada a igreja de Santa María da Xunqueira.

Em Corcubión tem que parar na de San Marcos e admirar a magnífica imagem veneziana de San Marcos da Cadeira, que contribui com sua policromia a ter um abalo estético italianizante. Completara-se este com a vista da vila velha, onde Corcubión, conjunto histórico-artístico, põe a vista do viajante o que de melhor tem. Imprescindível a visita ao Pazo dos Condes de Altamira. De Corcubión a Fisterra vai-se por praias a sombra de pinheiros e eucaliptos. Na vila, de ruas largas e casas baixas, visitaremos o românico de Santa María das Areias e as areias da Praia de Langosteira, uma duna de três quilómetros que se estende como se tivesse levantado um dique de defessa da povoação.

Vila de Fisterra

E de Fisterra ao cabo de Finisterra somente resta subir pela estrada que leva ao farol.

A contemplação do crepúsculo é extraordinária e com ela, o viajante deverá decifrar o mistério que o levou até esta ponta do mundo, sabendo que a sua humilde peregrinação faz já parte de uma história milenária.